terça-feira, 2 de novembro de 2010

QUINTO CAPITULO DO ROMANCE - água com bacuri -



QUINTO CAPITULO

ÁGUA COM BACURI



Flávinho fingiu ter ficado surpreso com a notícia que o vizinho iria a São Luis.
Ele sabia, Márcio apenas confirmou, o que Edinho comentou por telefone
em dias anteriores.
Estava feliz com a notícia.
Na casa do outro lado da rua, Carmém arrumou a mala do filho. Devido a
ser a primeira vez que ele iria viajar, todo o cuidado é pouco.
Haveria uma dúvida sobre o que  o filho iria fazer ? Afinal, foi uma
coisa assim em cima da hora.
Logo pela manhã, acontece um alvoroço enorme na rua, Lili Boca Mole,
envolveu-se em uma arruaça enorme por que encontrou uma cliente que
lhe devia a tempos e, recusava-se a pagar.
Todos sabem que Lili é encrenqueira, escandalosa, boca suja e, que não
mede as palavras para xingar  as pessoas, ela age assim seja lá aonde
for.
Para o caracter dela essas coisas são naturais.
Edinho recebe a mala e despede-se da mãe,da irmã e, atravessa a rua
para despedir-se do pai.
- Ninguém vai levá-lo na rodoviária ? gritou o velho
- Não precisa pai, o pessoal está lá esperando-me.
- Meu filho, tome cuidado por lá, recomendou o velho.
Ele abraçou o pai e beijou-lhe o rosto, acenou para a mãe e a irmã que
estavam em pé na porta e caminhou calmamente rumo a rodoviária, para
encontrar-se com os outros amigos escolares.
Torres impacientemente atravessa a rua correndo, sobe as escadarias e, começa a andar de um lado a outro da sala.
- Que impaciência é essa velho ? indagou Carmém.
Ele não respondeu nada e ficou pendurado na janela a, olhar para um horizonte distante.
Carmém ainda conversava, quando Lili  entra correndo salão a dentro para conversar com Joaninha.
- Você está vendo o outro já viajou, já começaram a soltar o
danadinho, já não basta o que ele apronta por aqui, agora mesmo longe daqui, ele vai é pintar o diabo de verde. está longe dos pais e, ninguém o conhece e muito menos sabe o que faz.
- Você está falando de quem Lili ? indagou Joaninha num misto de surpresa e espanto.
- Vai dizer que não está sabendo, o filho do Bode Velho, foi embora para a cidade.
- Embora !? tornou ela sisuda.
As duas correram para a porta da rua no intuito de ainda enxergar o garoto, mas o mesmo havia sumido rua acima. Viram apenas o velho Torres debruçado na janela, meio melancólico.
Ambas se puxaram vagarosamente, como quem foge para não levantar suspeitas.
- Será Lili, que ele foi embora mesmo ? Mas eu não ouvir nenhum comentário que ele iria sair de casa, disse Joaninha
- Você sabe que essa família é uma verdadeira raposa, eles fazem tudo no silêncio, ficam na tocaia, armam seus esconderijos e quando agente se espanta eles lançam o bote.
- Talvez você tenha razão Lili. e será que ele foi sozinho?
Lili espichou o espichou o pescoço, como quem olha desconfiada
procurando alguma coisa. e diz:
- Certamente, esse pessoal não faz amizade  com ninguém.
Lili, estava embriagada na fofoca com a amiga, quando foi interrompida pelos chamados:
- Dona Lili...dona Lili...dona Lili, e bateram palmas.
Ela respondeu do salão vizinho.
- Estou aqui, estou indo já, aguarde um pouco.
Ela saiu apavorada perguntando:
- Quem é ?
Ao vê-lo levou um susto .Lili parou, respirou e disse quase sufocada.
- Olá, você aqui, vamos entrar. Quanto tempo você não aparece, quais os ventos que lhe trazem, só passa pra lá e pra cá, a muito não me dá a satisfação em atender-lhe, pode entrar e, tomar café,ou chá, ou chocolate, disse apontando para a cozinha.
- Estou aqui apenas para arrumar as unhas.
- Isso é bom, muito bom, disse ela sorridente,vás fazer mão e pé ?
- Não somente as mãos, homem não faz unhas dos pés, dona Lili.
Ela deu uma sonora gargalhada e disse alegremente:
- Nam...nam..nam...não, estas muito enganado Flávinho, aqui tenho atendido garotos iguais a você, bonitos,que arrumam tanto os pés, quanto as mãos.
- Sim deve ser verdadeira a sua informação, mas cada um sabe aonde o bolso pode chegar.
Ela não se conteve e, enquanto colocava a água na bacia para arrumar as unhas do rapaz indagou:
- Vai haver festa hoje ?
- Não estou sabendo, por que ?
- É só uma perguntinha curiosa, nesta cidade tem festa todos os dias que agente até perde a conta, além do mais estou aqui com você fazendo  arrumando as unhas.
- Não é para nenhuma festa, é que u vou viajar.
- Viajar !?  indagou ela admirada e levando as duas mãos a boca.
- Sim, vou viajar e viajando agente, tem que ir arrumadinho, cheirosinho. - É verdade e, você é uma pessoa  bem afeiçoada. Afeiçoada nada, você é bonito, agradável, encantadora e, jamais poderá chegar na capital desarrumado.
Flávinho soltou uma gargalhada.
E Lili, corria os quatro cantos do salão com um olhar de velocidade além do comum.
Não contendo a sua ânsia de curiosidade tornou:
- Você vai com quem ?
- Somente eu e Deus.
- Imaginei que iria com alguém, ainda a pouco eu vi o filho desse bode velho ai da frente sair dizendo que iria para São Luis, por isso que fiquei, assim...
- Não estou sabendo disso; respondeu Flávinho olhando-se no espelho pregado na parede.
- É verdade, faz sentido a sua família não fala com a dele. Esse povo são tudo picareta Flávinho, eles querem ser mais do que todo mundo aqui nesta rua, se aparece um serviço é só eles que sabem fazer, eu particularmente detesto aquela raça até a décima geração, aqui era tudo muito bom, até eles mudarem para cá, eles teriam que morar do lago da morte pra lá, disse ela apontando na direção do lago.
Ele apenas ouvia a manicure e a sua incontrolável arte de falar mal das pessoas.
E ela continuava:
- Eu sempre achei você uma pessoa doce,totalmente diferente daquele moleque que ele tem.
Ele virou para ela e disse:
- Dona Lili,se a senhora tirar um bife do meu dedo eu não lhe pagarei.
Ela deu uma outra sonora gargalhada e soltando a mão dele disse:
-Jamais isso acontecerá, a Lili tem em experiência em cutícula o mesmo que você tem de idade, já faz mais de cinco anos que eu não vejo um cliente meu reclamar dos meus préstimos. Ô Flávinho, eu fiquei 20 anos na cidade do Rio de Janeiro foi me aperfeiçoando e, agora me responde com sinceridade, o que você vai fazer na cidade?
Ele olhou por cima dos óculos e respondeu:
- Vou cuidar do meu emprego, a vida me exige isso,não posso ficar de bunda para cima olhando o tempo passar, as coisas acontecem e, em Arari as pessoas sentam-se nas calçadas e, esquecem que a vida continua e, o amanhã poderá ser muito bom, se você escolher hoje a sua cota de colaboração consigo mesmo. Vou a busca do meu emprego.
- Muito bem, disse ela, mas tornou a  perguntar:
- E o teu vizinho, o que ele foi fazer lá ?
- Não sei, já disse que agente não se fala.
- Eu sei...eu sei...mas como é que eles deixaram ele ir só ? Será que ele vai ficar permanentemente ?
- Não sei lhe responder.
Nesse instante entra salão a dentro a amiga Joaninha.
- Veja quem está, disse Lili, toda espalhafatosa.
- É eu sei, faz tanto  tempo que ele não pára aqui, só passa do outro lado da rua, disse Joaninha.
- Falta de tempo, querida.
- Vai viajar Joaninha e, veio arrumar as unhas.
Joaninha sorriu e disse:
- Está todo mundo nesta rua viajando, daqui a pouco vai ficar apenas nós duas, uma para desligar as lâmpadas e, a outra para desligar as torneiras.
- É verdade , disse Lili.
- Você vai junto com o Edinho ?
- Eu, não.
- Vimos ele sair a pouco e logo pensei que ía junto com ele.
Lili atalhou:
- Eu sempre falei que agente acha  você  mais legal, que o filho do  bode velho, aquele moleque é todo metido a besta, passa pela gente e não fala, parece que nasceu com o imperador na barriga.
Joaninha disparou:
- Ou então ele pensa que caga ouro.
Lili disse:
- Agente nunca ouviu falar nada que lhe desabone, tá sempre envolvido em trabalho, não vive andando em turma com essa molecada e, não é fumante.
Joaninha atalhou novamente:
- O que tem moleque fumando maconha aqui em Arari, não está no gibi. Eles vão para o cemitério e ficam a noite inteira atrepados emcima dos túmulos, não respeitam os nossos mortos e, transforma o nosso campo santo num verdadeiro fumodromo.
- E a polícia ? indagou Flávinho.
- Essa não vai lá, não tem o trabalho de tirar a bunda da cadeira, eles armam a rede a noite e, nem que Jesus  Cristo, desca naterra eles não atendem.
- Isso é grave, dona Joaninha, disse Flávinho.
- Eu falo é sério mesmo meu filho, ou você acha que eu estou lhe passando alguma informação errada ?
- Acredito em  tudo o que falas; disse Flávinho.
- Você não sabe o que eu sei, do que apronta  os filhos desses bacana nesta cidade. E se quiser ver o que é podridão, fica na madrugada nessa avenida, até o galo se arrepia antes do cantar.
Flávinho sorriu levemente.
E ela continuou:
- Calma, que eu já estou terminando, quero deixar a sua mão bonita, para quando fôr alisar as costas daquelas morenas na cidade, se lembrar da Lili.
Joaninha perguntou a Flávinho:
- Tens namorada ?
- Não.
- Não creio. Como é que pode um pedaço de mal caminho deste, bonitão, fino e elegante, me dizer que não tem namorada ?
- Elas não me querem. Elas me acham muito feio.
Ambas cairam na gargalhada.
Era uma zombaria do garoto, muitas meninas adoram o corpo do rapaz.
Lili, disse olhando para Joaninha:
- Eu não creio nessa conversa.
- Nem eu, talvez você não queira é assumir compromisso com ninguém.
- Elas são interesseiras demais, respondeu Flávinho.
- Isso é verdade.
- Mas em São Luis a morenas são mais modernas, mais atiradas e, tenho certeza que vai gostar.
Lili, mesmo trabalhando ficava inquieta procurando assunto. O rapaz sabia disso e as vezes dava corda e ambas soltava a língua, falavam coisa com coisa e da vida dos outros, coisas que nem elas mesmo entendiam.Muitas vezes de tanta conversa afiada, eles mesmo discutiam por que divergiam do assunto.
A mais de 30 minutos que ele estava ali.
Ele olhou as mãos admirando-as, espichou o braço e achou tudo perfeito, um serviço excelente.
Levantando-se da cadeira ele perguntou:
- Quanto eu lhe devo, dona Lili ?
- Isso é uma ninharia parab você; respondeu ela
- Mas preciso saber o preço dessa ninharia.
Ela sorriu.
- Isso é bagatela, doze reais.
- Tá caruuuuuuuuuuuu
- "Tacaru"...isso é nome de japa, sabes que em outro lugar irão te cobrar o triplo, disso aí.
Ele sorriu e franziu a testa ao mesmo tempo. e ela continuou:
Aqui vai está tudo sempre a sua disposição. Lhe oferecí café, você não quis,oferecí chá, você recusou, oferecí chocolate, você nem ligou enfim, deixei a minha cozinha a sua disposição, qual é o salão, que lhe oferece tudo isso e lhe cobra apenas doze reais ?
Ele pegou a carteira que estava no bolso trazeiro,retirou as notas e pagou a conta.
- Veja só, disse ela recebendo o dinheiro com as duas mãos; sei que és um menino de ouro e, tenho certeza que é a pessoa mais equilibrada desta rua; disse Lili Boca Mole.
O salão da Lili é um luxo só.
O mais completo da cidade de Arari.
Ela faz questão de transformar aquilo no mais luxuoso e esbelto ponto de beleza da cidade.
É gracioso, bem equipado, bem propocionado e, nunca uma tenda onde as pessoas se encontram apenas para jogar conversa fora.
O salão é a realização dessa manicure.
 É o meio de sua sobrevivência, é tudo o que ela possui.
- Estou indo embora, dona Lili e, muito obrigado pela atenção, disse
Flávinho, levantando-se.
- Vá e volte sempre, serei e estarei sempre a sua disposição.
Ele retirou-se, atravessou a rua  e, subiu as escadaria do sobrado em que morava.
Após Flávinho ter-se retirado, Lili comentou com a amiga:

- Você percebeu, como é o comportamento do filho do Armando ?

Joaninha ficou em pé e,encostou na cadeira para dizer:

- Vi sim, ele é simpático, distinto, parece um homem gentil, revestido de uma nobreza ímpar.

- Você acha isso mesmo, mulher ?

- Sim, só que eu não sabia que ele era seu cliente.

- Não é uma pessoa assídua,de vez enquanto que ele aparece.

- Mas que conversa é aquela que ele não arrumar mulher ? indagou Joaninha

- Sei lá, de repente ele não gosta, respondeu Lili, cheia de malícia.

Joaninha, despediu-se da amiga e, voltou para o seu estabelecimento.

Na outra residência, do outro lado da rua, o velho Torres estava preocupado, buscando no horizonte, a resposta de uma pergunta que não tem fim, ou a espera de um vento para refrescar-lhe a face.

Edinho não é mais nenhuma criança, do alto dos seus 16 anos, ele tem noção da volúpia e ansiedade que conduz a personalidade de todo adolescente, sonha com os seus sonhos, com as suas aventuras e, muitas vezes paga um preço alto quando depara-se com o fracasso, daquilo que tanto correu atrás e, não conquistou.

Torres tem apenas dois filhos e, o apego neles é enorme e, mesmo quem o conhece com aquele jeitão durão, não imagina a alma resplandescente e acolhedora que o compõe.

Na rodoviária.

Os estudantes fazem o maior alarido, uma verdadeira banzé, assovios, gritos, acenos para todos os lados, parece que Arari se transvestiu toda de estudante e, todos vieram ao mesmo tempo para o mesmo lugar.

Era um alvoroço só.

Uma agitação que perturba, qualquer transeunte.

Todos aqueles que estavam ali, a maioria jamais foi a São Luis, era a sua primeira vez.

Tinha até uma garota que lá pelas tantas apareceu com um "mega-fone" anunciando qualquer coisa, que apenas doía aos ouvidos mais sensíveis.

Na verdade ninguém entendia nada.

Márcio apareceu entre a multidão, mas não ia viajar, aquele era um ambiente propício para a sua personalidade, ele é uma pessoa alegre, brincalhão e, qualquer que fosse a algazarra poderia qualquer grupo contar com a sua presença, independentemente de qualquer que fosse a ideologia. Para ele o que importava era marcar presença.

Juliete também estava ali, com as suas tranças e madeixas, sempre chamando atenção. Ela ia a São Luis, mas não sabia informar sobre nada, não sabia delinear que rumo o seu grupo seguiria. Como sempre com suas artes e inquietude.

De repente um corre, corre entre os estudantes e, a garota com o mega-fone, põe-se a anunciar:

" Todos os estudantes que vão a São Luis, precisa estarem de posse de suas Certidão de Nascimento, ou da autorização dos pais se forem menor de 12 anos de idade"

Formou-se um tumulto generalizado, mas logo foi controlado pelos alunos mais experientes.

Ao meio daquela bagunça toda, Edinho está com a sua mochila as costas pra lá e pra cá, ansioso com o momento da partida, afinal, aquela era a sua primeira viagem e, quanto mais demorasse, mais aumentava a sua ansiedade, o seu sofrimento, a agonia e, percebe-se que o tempo passa e carência, vai afogando-lhe a alma.

De repente ele afasta-se daquele aglomerado de pessoas e, fica encostado ao lado de uma pilastra, isolado.

O celular vibra:

- Quem é ?

- Sou eu a sua deusa.

Ele revigora-se, respira fundo e responde meio que emocionado:

- O que aconteceu ? Eu sei que é você Heloísa,estava mesmo precisando ouvir a sua voz.

- Edinho, chamou ela. 

- Sim.

- Aonde você esta ?

- Ainda estou na rodoviária.

- Ué, pensei que já estivesse em São Luis.

- O ônibus ainda não apareceu, está quase duas horas parado, está o maior rebu aqui.

- Não queres desistir de ir ?

- Jamais eu faria isso.

Está é a minha primeira viagem, vou conhecer o mar, a praia, eu quero ir, não vou desistir,além do mais tem muita gente conhecida.

- Você está bem ? indagou ela preocupada.

- Estou sim apenas com muita saudade de você.

Ela sorriu, falou dos seus quimbebes e, disse:

- Vou desligar e, tenha uma viagem boa.

Ele emudeceu.

- Não vá me responder ? tornou ela.

Ele falou vagarosamente;

- Tenha muito cuidado de como você vai ficar nesta cidade, andando só, a noite  pela avenida, ou sentada nas calçadas com as amigas.  Quando eu voltar não quero ouvir, zun...zun...zun, ao meu ouvido com o seu nome, você é ciente que é tudo para mim e, muito mais que isso, é o grande amor da minha vida.

- Ela riu novamente.

- Bobinho você, disse ela.

E ele tornou:

- Não sou bobinho, eu sou jeitoso, male ável, bem maneiro mesmo, jamais aceitarei você me chamar de bobinho, minha cascudinha.

Heloísa estava sorridente, alegre, esforçava assim que não transmitisse insegurança ao namoradinho.

Depois de desejar-lhe felicidades e, mandar beijos, ela desligou o telefone.

Ele ficou ali sozinho pensativo, afastado do grupo e, ela solta em casa.

Após um longo tempo o ônibus encosta ao terminal.

A garota com o mega fone, outra vez avisa:

" Pessoal, vamos formar fila, que o ônibus acabara de encostar, todos tem  o seu lugar marcado e, não é para perder a ficha com o número da poltrona e,a letra com a inscrição da reserva, senão só tem duas alternativas, ou vai em pé ou vai ficar" berrou ela.

Era um ônibus garboso, belo.

Tinha dois andares, era alto, em baixo tinha uma mesa e, ao lado um vidro por onde enxergava-se todas as  todas as paisagens.

Tinha banheiro, WC, cozinha, ar condicionado, um espaço para lanche, cafezinho quente a qualquer momento que desejasse.

Verdadeiramente  a direção da escola caprichou na escolha.

Os alunos, mesmo aqueles sem uniforme mas indetificados com uma tarja vermelha foi-se aproximando do ônibus. O motorista, um cidadão zeloso, foi acomodando a cada um que ia entrando e procurando o seu  lugar.

Edinho deu sorte, pegou a primeira cadeira do andar de cima, iria viajar bem na frente, observando tudo e vendo o veículo rasgar estrada a fora rumo a capital.

Beneficiado pelo sorteio, acomodou-se ao lado de um colega desconhecido.

Espichou as pernas, tirou os sapatos, ficou somente de meias, deixou a mochila no guarda volume, que estava sobre a sua cabeça e, admirado estacionou o corpo na poltrona.

Na casa de Torres, ele ordenou:

- Ana Luiza, vá observar se o seu irmão já viajou.

Ela respondeu :

- A esta altura pai, eles já estão longe, quase em Santa Rita, devem chegar cedo em São Luis.

- Não me repreenda e vá, ralhou o velho.

Ela calou-se,sentiu que o clima com ele não estava bem, alguma coisa o deixava mais recatado, mais caludo.

Ainda assim ela respondeu:

- Estou indo, e entrando no quarto, vestiu um shorte de lycra lilás apertadinha, uma blusa preta, colocou um óculos escuro, uma tiara para prender os cabelos, com os pés vestiu uma sandália transparente.

 Atravessou a sala, passou em frente do pai e saiu.

Do outro lado da rua, Lili, chamou Joaninha Sabe Tudo e, disse ao pé do ouvido:

- Você, viu quem saiu agora mesmo de casa, parecendo uma perua ?

- Quem, quem ? indagou ela impaciente.

- A filha do bode velho, saiu aí toda emperiquitada, numa empáfia, em uma embófia, de dar piedade a qualquer um dos maiores pecadores.

- Ela é assim mesmo, bem pior ainda que o moleque.

- Só bobagem querida, esse orgulho não leva a nada.

As duas correram em direção a porta, no intuito de ainda enxergar a garota, mas ficaram de visão frustrada.

Da janela sem que percebessem, senhor Torres viu toda a farra das duas amigas cabeleleiras.

Pensou alto consigo:

- " Por esses dias eu acabo com essa faltas de vergonha da Boca Mole, tudo o que acontece nesta rua ela, transforma em fofoca, comenta a vida das pessoas que passa pela rua, de tudo ela sabe, fica o dia inteiro no cochixo com aquela outra desclassificada. Duas mulheres sem o mínimo de vergonha, sem conceito de sociedade, esse salão parece um ranço de baixo nível, que alguma coisa que se possa levar a sério, confesso que já estou enojado disto tudo.

Eu prometo a mim mesmo que mais cedo ou mais tarde, não sairei daqui, sem que um dia dê, uma surra nessa vadia"

Enquanto o velho se concentrava no pensamento, as duas momentos sim, momentos não vinham emparelhadas até a porta para ver o que estava acontecendo na rua, espichavam o pescoço disfarçadamente, para que ele não percebesse que era dele que falavam.

Ana Luiza, chegou a rodoviária e indagou um taxista:

- Tinha uns alunos aqui, que iriam viajar para São Luis, faz tempo que eles saíram ?

Apontando a uma direção o homem respondeu:

- Acabou de sair o ônibus. Acredito que não vá nem ao Igarapé de Arari, moça.

- Então saíram agora ?

- Nesse instante, o que aconteceu, foi alguém da sua família ?

- Sim o meu mano, ele saiu de casa cedo, respondeu ela olhando demoradamente na direção apontada pelo taxista

- Parece que o ônibus atrasou bastante, disse ele.

- Meu pai está preocupado.

Ela voltava vagarosamente para casa quando bateram em seu ombro.

- E aí gata!

Ela parou, olhou e respondeu;

- De onde vens ?

Era Márcio, amigo do irmão e dela.

Trazia na mão um sorvete e foi logo dizendo:

- Edinho viajou, foi sentado bem na frente, parecia um príncipe.

- Ele é um príncipe, mais que isso, meu irmão é um deus, que por descuido, caiu do céu.

Márcio sorriu e disse:

- Acho de você a mesma coisa, bem...posso dizer que é mais linda, mais esbelta, mais quente, se quiser posso até deixar o sorvete derreter em seus lábios, para mim, você é uma tigresa.

Ela virou-se para Márcio e disse:

- Você é presunçoso, muito vaidoso.

- Sou não querida, sou simples e, nesse vai e vem da vida, tenho que jogar a minha rede para todos os lados.

- Vai catar coquinho Márcio, procure uma garota da sua idade, do seu nível escolar e corra atrás dela.

- Tá me tirando, não é Aninha ?

- Desculpe querido, apenas tentei fazer você enxergar o seu lugar, nesta escala social que todos aprendemos a chamar de vida.

Márcio adiantou os passos.

Agora ela estava mais tranquila, imaginava que o pai ficaria mais calmo, ele estava preocupado com o irmão, ela recordava da mesma cena, quando viajou sozinha pela primeira vez.

Ela chegou em casa e foi chamando:

- Pai ?

Ele saiu rápido do quarto.

- E aí ?

- Já foi.

- Ainda bem, respondeu o velho.

- É que o ônibus atrasou, me informou um taxista e, quando eu cheguei, me disseram que talvez não estivessem dois quilômetros dali.

Ele elevou as mãos a cabeça.

- Então eles vão chegar tarde na cidade ?

- Com certeza pai, respondeu ela.

- Estou preocupado com o meu filho.

Ela virou-se para ele e disse;

- Pai, o Edinho não é mais nenhum bebê. Quantos anos ele tem ? Esse moleque já fala até em mulher, um dia ele vai ter que sair de casa.

- Não fale assim, ralhou ele.

- Tá bom.

E continuou:

- Não quero ouvir essas coisas, ele é o único filho homem que eu tenho, quero sempre a felicidades de vocês dois.

Ana se aproximou, passou a mão na cabeça do velho e,disse:

- Não fique assim, amanhã ele volta.

Ela afastou-se, foi até a cozinha e chamou dona Carmém, que trouxe um cafezinho ao velho.

Após tomar o café, vestiu novamente a roupa de trabalho e disse as duas:

- Vou abrir a oficina.

- Vá, possa ser que lá, você distrai-se.

- É melhor para você, pai ?

Ele não respondeu mais nada, atravessou a rua, ergueu a pesada porta de ferro e, começou a mexer num carro velho que a dias estava ali a sua espera, para um concerto.

Na porta do salão, Lili cochixava:

- Está tudo esquisito na casa do bode velho, é um entra e sai depois que o moleque dele viajou, a Carmém nem coloca a cara na rua, o que será que está acontecendo ?

Joaninha, encosta em Lili e as duas ficam num empurra, empurra na porta, na ânsia de descobrir alguma coisa.

Faceiramente vem descendo escadaria abaixo Flávinho.

O rosto parece um facho de luz, cabelos encaracolados solto, brinco na  orelha  direita, uma tiara quase imperceptível, tênue, sutil, que prende a frente os cabelos, deixando a testa exposta.

Veste uma calça jeans delavrè, uma blusa azul marinho, sapatos esporte fino de couro marrom, meia azul marinho, no pulso um relógio de marca famosa e, no pescoço um colar de ouro branco e, no dedo um anel do mesmo metal, com uma pulseira reluzente e no rosto o óculos de aro vermelho.

Eis aí o galã.
- Ei, já vai heim ? diz Lili
- A senhora está aí ? respondeu ele.
- Claro filhote, aqui é o meu ponto de trabalho  e, boa viagem a você querido.
Ele a cumprimentou e, deu alguns passos adiante, parou um táxi, entrou e pediu que o levasse até a estação rodoviária.
Sentou no bando traseiro do veículo e ficou imaginando:
" Esta é  a minha chance de encostar aquele moleque na parede. Ou ele me encara desta vez ou nunca mais, vou ter que descobrir para que lugar eles irão e, dessa vez ele não se faça de besta.
O táxi estacionou na rodoviária, ele pagou a corrida, desceu do mesmo e sentou-se em um banco, a esperar o próximo ônibus.




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