sábado, 2 de outubro de 2010

TERCEIRO CAPAITULO DE LUCIANNA

 

TERCEIRO CAPITULO DE LUCIANNA

Quase quatro e cinqüenta e cinco da manhã.

Um dia quente.

Um dia de calor e a intranqüilidade perturbava Quincas Peres, logo muito cedo. Um homem de idade avançada e velho comerciante de jóias, vivia sempre preocupado com a paz social e talvez por essas e outras razões, contivesse demasiadamente os cabelos nuvens, que mal lhe cobriam a careca, contudo não deixava de ser simpático, legal, leal e amigo.

O nariz grosso, apesar de uma imagem realista da sua naturalidade gaúcha, deixa provar a agonia do próprio tempo. Na manhã encalorada, a ânsia do velho era exilar-se por minutos do leito, ação que irritava dona Ilvã, sua esposa, uma senhora alegre, meiga, delicada e dedicada, sensível e sensual, com a qual estava unida pelo patrimônio por trinta e seis anos e, jamais quaisquer fator causou-lhe contraste que derivasse em pressão familiar contra a legítima união.

Apesar de quarentões, mostravam sempre um espírito romântico e progressista. Não suportando mais a alta temperatura, olhou para o cronômetro que trazia no pulso direito e argumentou:

- Quase cinco horas....

- O que você tem contra isso ? Atacou dona Ilvâ perguntando

- Vou a padaria, respondeu ele.

- A está hora, Quincas ?

- Sim a esta hora, e daí ? Com este calor, imaginas que tenho condições físicas de ficar neste forno ? Lugar que agente se queima sem ter vontade ? O dia já raiou e, homem que muito dorme, pouco enxerga.

- Isso é provérbio antigo, respondeu ela.

- Provérbio antigo, uma pomba, nessa filosofia de vida que está.

- Mas ainda está escuro, tornou ela.

- Escuro coisa nenhuma, Ilvã, cinco horas, cinco e meia, quase seis e, ainda tens coragem de alegar escuridão ? se estás com uma negligência podes afirmar, que não te incomodarei mas isso também não acredito, por que quase não fazes nada.

- O que Quincas, estás me chamando de preguiçosa ?- deixe de bobagem, levante logo e faça o cafezinho, enquanto pego os pães ainda quentinho.

Irritando-se, ela respondeu retirando-se dos aposentos:

- Mas tu, quando queres uma coisa ! Hei homem de Deus! Tem uma coisa, não temos dinheiro trocado. Esse teu gesto é apenas para bagunçar o meu descanso.

E ele respondeu:

- Dormes a noite inteira, deitas te junto com os pintinhos, sabes de uma coisa ,Ilvã, fazes o café e depois podeis dormir até, quando a balança do País for leal e, honesta. Por que somente tu para dormires, numa fornalha dessa teoria.

Ilvã, nada lhe respondeu, simplesmente observava o esposo vestir-se em um bermudão sobrecarregado de retalhos.

Após olhar o seu perfil no espelho, caminhou em direção à porta de entrada, enquanto ela chamava:

- Isso é,que é, dá motivos para o povo falar d'agente.

E ele, saindo na direção da aporta respondeu:

- E o que tenho eu com a língua do povo, que analisa até a vida de Cristo, que nesta terra só pregou o amor, a paz e a justiça, que fará a minha.

- Você, não se incomoda nunca com nada, é sempre um zé tranquilho.

- Graças a Deus que não esquento a cabeça com besteiras, por que já basta o B.N.H., para esquentar não só com a minha, mas de todos os brasileiros que sonham com casa própria.

- E sempre criticando o governo.

- Se eu não criticar o governo, ele não terá o seu nome divulgado, mesmo assim querida, é o governo que se critica com os seus próprios gestos.

- Isso não compete a mim.

- A ti não compete nada, portanto não esqueça do café.

e mesmo contra as suas idéias começou a despir-se, trocando a camisola de maia pelo vestido de algodãozinho, que melhor combateria aquele calor irritante.

Enquanto isso, o velho que havia fugido de sua vista, chamava;

- Ilvã.

E ela não respondeu, enquanto ele tornou:

- Ilvã...Ilvã...Ilvã........

Chegando até a porta do quarto e, cobrindo os bustos, com o vestido respondeu:

- O que foi agora, chato, que lhe faltou ? Eu não falei que não tinhas dinheiro trocado, aí.

- Não é dinheiro, chega aqui !

- Espere-me, aí.

E entrou para o quarto de onde , ouviu apenas o marido exclamar:

- Que maravilha, meu Senhor ! Quem terá sido o mísero que te abandonou, aqui ?

E ao ficar desapontada ouvindo a voz do esposo indagava:

- O que foi Quincas ?

- Venha aqui e, veja...aproxima-te e, conheces o que deixaram de presente para nós.

- Fale, diga logo.

- Venha aqui, Ilvã, depositaram um menino dentro de um côfo e, puseram em nossa porta.

Ela aproximou-se do esposo e deixando a cabeça cair sobre os seus ombros, comentara indagando:

- O que faremos, agora ? Entregamos ao juizado de menores ?

O velho ficou sério e respondeu:

- Puxa, Ilvã, será que depositaram esta criança à porta do nosso lar, por que os pais não tiveram a coragem de dar ao juizado de menores ?

Dando dois passos para trás, ela tornou:

- Então diga o que faremos.

- Mas, Ilvã, você ainda pergunta o que faremos, quando todos os dias ler nas páginas dos jornais, ver a imagem na televisão, ouve os noticiários radiofônicos, que o índice de crianças abandonadas são enormes ?

- E nós vamos ficar com ela ?

- O que queres que façamos, mulher incompreensível ?

Estática, nada respondeu e ele continuou:

- Parece que depois de trinta e tantos anos, é que estou conhecendo o teu outro lado, quando neste mundo tão desumano, setenta por cento dos menores são carentes e,ainda me aparece esta mulher repudiando esta criança, um belo garotão, mas somente na cabeça de uma...mas não estou dizendo, não sou nenhum débil deixar uma criança, como esta sofrendo neste calor, na chuva, no frio, enfim, enfrentando todos os fenômenos naturais, quando possuo condições de evitar esses problemas.

- Não pensei, nem tão puco falei o que disseste.

- Então ficas na tua.

- Resta-me saber Quincas, se será este moleque o nosso herdeiro ?

- Será sim, se deixaram à minha porta é porque alguém quer, que eu o substitua o lugar do seu pai, mesmo assim, ela é uma criança pequenina e educamos à nosso modo. Por que, pensando bem Ilvã, nós não temos um cãozinho para darmos de comida, portanto tome-a, e leve-a, para o seu quarto, antes que o público desconfie de alguma coisa e, tu sabes que não gosto de reuniõezinhos à minha porta, ainda mais de manhã cedo.

E entregando o neném à esposa, que entrou atendendo o pedido do esposo e, que minutos depois retornou para avisar;

- Olha, Quincas, a criança é do sexo feminino e não do masculino.

- Tanto faz, seja, o que for.

Enquanto comentava a narrativa da esposa, pegou o objeto em que fora deixada a criança, quando caminhava para o quintal, encontrou no interior do mesmo e, a esposa que estava por ali por perto comentou;

- Um pedaço de papel, Quincas.

- Pa-pel,repetiu ele soletrando.

Com o bilhete em mãos, começou a ler silenciosamente, quando a mulher interrompeu:

- Meu querido, também desejo saber, o que está escrito nesse pedaço de papel.

- Espere um pouco, respondeu ele.

- Esperar coisa nenhuma Quincas, vai deixar esse cõfo no quintal e, vem ler isso para eu ouví, eu sabia que estava para surgir uma herdeira.

- Deixa disso, Ilvã.

Enquanto ela falava, o velho lia em voz alta, procurando desviar dos ouvidos as suas palavras de ingenuidade.

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" Meus Conterrâneos "

São quatro e cinqüenta da manhã, poucos minutos para as cinco e, ousando os direitos naturais, deposito clandestinamente em vossa porta, este presente que encarecidamente, tenho a gentileza de vos pedir que criem,eduquem, enfim, doem a este menor carente todas as condições de vida que jamais tenho ou terei condições de fazer.

Talvez nem saiba que as minhas possibilidades são mínimas, mas peço que faça o meu último desejo, ponham o epiteto de Lucianna, assim estarás respeitando as bases de diretrizes, que cercam os seres humanos.

Depositando-a, em sua porta sei que estarei sendo um pai frágil espiritualmente, sou consciente que o mais justo, seria deixá-la, junto a mim, ou não ?

Mas podei vós acreditar que garanto, não quero agir desse estilo, por que estaria sendo ingrato com a minha própria personalidade e, os meus sentimentos, estaria sendo um homem sem coração, sem piedade, sem uma formatura cristã ou até mesmo sem nenhum calor humano.

Mas quem te pagará, por tudo o que fizeste pela minha filhas será Deus, um dia vocês, serão recompensados, por que as forças de Deus vos ajudarão. Mostram-na, que sóis os verdadeiros pais dela, sim, os adotivos. Sou pobretão e, por esse motivo que aí coloquei-a, por que tu Quincas, tens condições de dar aquele carinho, que no momento me falta, escola, nem uniformes ou tão pouco alimentação.

E a você dona Ilvã, certeza podes ter absolutamente que Lucianna, assim repito, quero que a chame assim querendo for batizada.

No mais com a alma confortada, que tenho o prazer de desde já agradecer.

E gentilmente

subscrevo-me.

O Vosso fulano de Tal

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Após o término do texto da missiva, ele amassou-a vagarosamente, enquanto Ilvã, alertava:

- Não faz isso, Quincas.

- Para que tu vai ficar com isso, para servir de polêmicas mais, tarde ? Indagou ele, meigamente e logo em seguida continuou: - Mas como ainda existem tantos jovens desesperados e, irresponsáveis. Tanta incompetência para assumir com alma responsabilidade o verdadeiro papel de um pai de família, moços casando-se e fugindo das despesas e, o resultado é esta situação dolorosa e dolosa, nostálgica e, melancólica, não é mesmo Ilvã ? Indagou-o.

- É sim, afirmou ela com um simples balanceado de cabeça.

- Que vida besta, meu Deus, repetiu o velho.

E a esposa lembrou:

- O nome dela é para ser Lucianna.

Ao mesmo tempo ela olhou para ele e tornou:

- iremos criar esta criança ao nosso modo, com os nossos costumes e, quando estiver com idade suficiente para a escola, colocaremos no Jardim da Infância Menino Jesus. Já sei ! Eu já lembro o por que desse nome.

- Qual nome ? Indagou o velho.

- O da menina.

- Como é mesmo, que a epístola, pede ?

- Lucianna.

Ele colocou a mão no queixo e opinou:

- Vou respeitar a idéia desse irresponsável, só que ela vai possuir um Peres, aí pelo, meio.

- Então será, Lucianna Martins Peres ? Indagou Ilvã.

- Não, repudiou ele.

- Como não ? Tornou ela.

- Lucianna Peres Martins, afirmou ele.

Parecendo está satisfeita, enquanto ouvia o marido falar, Ilvã, sorriu calmamente, enquanto ele continuou:

- Vamos socorrer esta inocente, por que neste país setenta por cento das crianças são carentes e vivem atoa.

Ilvã sorriu, como quem se dera por satisfeita naquele momento e, foi deixando o quarto em um silêncio profundo, para que o neném dormissem e sentissem a paz de uma ambiente familiar.



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